Em destaque ABLetras
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Eu posso

Eu posso não ter as belas asas de um pássaro

Mas posso alçar grandes vôos

Nas asas da minha imaginação.

 

Eu posso não ter mais a inocência de uma criança

Mas nunca abdicarei

Dos meus sonhos.

 

Eu posso viver

Uma longa vida

Mas nunca me esquecerei dos grandes amores.

 

Eu posso às vezes

Decepcionar-me com algumas pessoas

Mas nunca deixarei de sorrir.

 

Eu posso não sair vencedor

De todas as batalhas

Mas nunca deixarei de pelejar.

 

Eu posso nem sempre

Estar rodeado de amigos

Mas Deus estará sempre comigo...

  1.                                                                   J. Paixão

 


Neste corpo

Que é esta

percussão

estranha

batendo-me, incessante,

alma que arfa veemente,

(minha única posse)?

 

Este corpo

de medulas

de géis e glóbulos que viaja,

dos verbos da existência

 aos píncaros do meu íntimo.

 

Esqueleto

andarilho

que me alça

ao rosto das estrelas

e, curva-se, rarefeito,

às minhas angústias.

 

Estômago

glutão,

que governa meu humor,

povoado de delícias,

amargo fel das emoções.

 

Hormônios

que soletram

químicas repartidas,

enredadas em fios vitais,

correios dos emplastos repentinos.

 

Dois ouvidos

para os violinos dolentes

numa canção sem dó.

 

A pele,

frasco protetor,

abre as cortinas

e sutura-me as feridas.

 

Os olhos

na ternura

e no prazer,

luzeiros tortos, manchados

no reflexo dos massacres.

 

Olfato

sentir

a essência de mim

e das flores de plástico,

apinhadas nas vilas poluídas.

 

O paladar

invadido

de papilas vorazes,

mastigando o eco invisível

das dúbias paisagens.

 

O coração

tum-tum,

confia

e acautela-se do medo da morte.

 

O cérebro

que morre lento

na mente infinita.

 

Quando

meu corpo

de mim se despe,

eu canto o bálsamo do universo.

 

Se minhas

mãos cáusticas

fossem

a brisa de um suspiro maior,

 

Se disserem

que me fui,

não creio.

Estou sentada nas cordilheiras.

                                                                         Maria Cristina Ehmke Carvalho

 


 

         Histórias de Bauru e sua gente

  “Todos cantam sua terra”...

Houve um tempo em que o meu amor por Bauru era explícito. Tão grande e verdadeiro que não cabia dentro do meu coração e extrapolava na coluna “O Assunto é Você” que mantinha no Jornal da Cidade. Certa feita, ao falar das maravilhas da cidade, sugeriu nas entre linhas, a autoridade máxima do município, o então senhor prefeito Osvaldo Sbeghen, que mandasse semear de um avião modelo teco-teco, sementes de flores variadas sobre o nosso cerrado, a fim de embelezar um pouco mais o nosso município. E qual não foi a surpresa ao apelo implícito. Logo depois da pequena nota jornalística ser publicada, Osvaldo Sbeghen realizou uma viagem ao Japão, e na volta, ao encontrar-se na cidade com a colunista, durante acontecimento político-social, assim a ela se dirigiu:

  – Me lembrei muito de você no Japão!

  – Por que, Sbeghen? O que foi que eu fiz?

  – Quando eu pisei naquele país florido, mais parecendo um imenso jardim!... Foi impedido de continuar a conversa quando as demais pessoas o envolveram, mas nem precisava dizer mais nada. Ele também era um apaixonado por Bauru, como foram os prefeitos Alcides Franciscato, Nicola Avallone Júnior dentre outros políticos que se fizeram deputados respeitados e marco para o desenvolvimento do município no cenário mundial. Sou bauruense de coração. Não nasci bauruense, mas meu coração palpita alucinadamente por este pedaço de chão. Por isso posso dizer coisas sobre esta cidade que enverga em seu currículo diversos slogans reveladores da pujança de sua trajetória. Tivemos prefeitos maravilhosos que em sua administração alavancaram o progresso da cidade, no entanto, outros pareceram atravancá-la. Mas Bauru seguiu garbosa o seu destino de pulsante Coração de São Paulo.

  Como jornalista, do dia a dia da redação, conhecia esta cidade e sua gente como a palma de minha mão. Hoje já não posso afirmar o mesmo. Há pedaços da cidade que não conheço e também a população. Não são só os bauruenses” que a vêem assim. Quem a revisita também não a reconhece mais. Cada canto desta cidade adquiriu característica própria, adequação das urbes em constante desenvolvimento. Avenidas de Bauru. Houve um tempo em que o meu sonho de consumo e objeto de desejo era passear e residir na av. Nações Unidas. Aquele traçado ainda não era de via expressa, mas de puro lazer e aconchego. A arquitetura da rua harmonizava-se com a de seus prédios e representava para o meu coração sonhador, o deslumbramento da alegria e beleza. Hoje talvez nem tanto, conhecendo os problemas que se instalaram por lá: trânsito, insegurança, enchentes... As pessoas já não passeiam, a via se tornou corredor de ônibus e carros.

  A paixão por esse trecho da cidade da década de 1970 nos remete a muito verde e cores das flores dos canteiros bem cuidados. A lembrança dos jovens com seus automóveis e seus trajes de passeio, estacionados ao longo do caminho em noites quentes de feriados, sábado e domingo, para apreciar a cidade (sua gente) a desfilar. Essa era a diversão do momento. O footing havia se mudado de lugar, que antes fizera uma breve e triunfante passagem pela av. Brasil que mudou depois de nome para Dr. Nuno de Assis. No meu tempo de criança, presenciei os últimos suspiros do footing na Batista de Carvalho (o famoso batistar do bauruense), na 1º de Agosto, na Praça Ruy Barbosa e nos cinemas da cidade: Bauru, São Paulo, Bandeirantes que se modernizou como Cine Capri, com poltronas numeradas e ingressos adquiridos antecipadamente. Nas vilas, as pracinhas onde se instalavam os Cines Bela Vista e São Rafael, também atraíam muita gente. Os que não queriam descer para a cidade praticavam o footing próximo de suas casas. Os cinemas ganharam novos espaços e endereços como o Cine BTC e o Vila Rica, as salas Bauru I e II (prédio já demolido).

  Bauru é assim: muda de cara frente ao progresso que a vigia, a cerca e a alcança a cada dia. No momento estamos vivendo a era dos Shopping Centers.

  Eu também mudei. Quando eu era da Bela Vista, hoje se diz do Bela Vista, que quer dizer do Jardim Bela Vista e não como a gente se dizia que era da Vila e não do bairro. Naquele tempo, mesmo se eu ganhasse o maior prêmio de uma loteria, todos, amigos e familiares, tinham a certeza absoluta de que continuaria no bairro. O meu sonho maior era morar na parte nobre do Jardim Bela Vista. Na ocasião, a parte nobre era os arredores do Hospital da Noroeste do Brasil, o Sales Gomes, e da Praça dos Expedicionários, onde se instalavam o cinema e a rádio   PRG-8, com seu auditório de calouros e shows, hoje sede da TV Tem, afiliada da Rede Globo. Nem a igreja de Santo Antônio, a duas quadras dali, era referência de excelente localização de moradia, embora ganhasse destaque em fé e popularidade no bairro. Até que não posso reclamar. Eu morava perto da Casa da Criança, o Asilo do Paiva, onde até o Roberto Carlos esteve visitando, no tempo da Jovem Guarda. Políticos também passavam por lá. Eram uma festa para toda a vizinhança esses acontecimentos. O bairrismo sempre fez parte da vida dos habitantes dos tradicionais bairros da cidade, como Vila Falcão, Independência, Bela Vista, Cardia, Vista Alegre englobando outros tantos de suas regiões. Até hoje, os tradicionais moradores desses lugares continuam a defendê-los com unhas e dentes, e a manifestarem carinho aos antigos conhecidos. Há certa cumplicidade, velada pode-se até dizer entre si, mas existe esse respeito e amizade em relação aos que residiram num desses locais.

  Apesar de todo esse fervor em relação às suas vilas, com o passar do tempo surgiu uma necessidade ou um desejo maior, o que carinhosamente denominamos de “descer o morro” para conquistar a cidade. Após vislumbrar dias melhores proporcionado pelos estudos e projeções em seus trabalhos, alguns moradores optaram por vir morar no centro da cidade. Na época, nem se cogitava a chamada zona sul, hoje em evidência. O negócio mesmo era morar nas imediações da Batista de Carvalho, o coração vibrante da cidade. Mas eu, por longas décadas mantive-me firme no meu propósito bairrista, só que um dia, a vida me convidou a vir morar na zona sul. No entanto, até hoje eu me alegro e reconheço um bela-vistense. Pois sou um deles.

  MariluciGenovez

 


 

DIÁSPORA DA SOBERBA

Notícias do além mar

ouriçam os pêlos dos desavisados

que inventam desconhecer o progresso

passado este que sequer existiu.

e, em terra de párias

frutificantes e dóceis sementes apodrecem 

em dívida com os seus mais peregrinos

que um dia tiveram de não-pertencer.

Nauseabundos, 

os antepassados equilibraram-se na proa da sobrevivência

engolindo o pertencimento, o quinhão de terra, o zelo

com o fim de conquistar preciosidades

nestes grandiosos solos inférteis.

vômitos, fezes, urina, suor e sangue;

a fidúcia fez molhar a fisiologia.  

entanto, os deserdados dominaram tudo:

o sangue, a alma, a cor, a terra

em troco da liberdade imaginária.

hoje, seus ingratos filhos escarram a mesma secreção

que trouxeram seus pais a esta terra prometida;

escarram sobre quem os trouxe até aqui:

pátria, indústrias, perseguições, czares


escarram sobre seus semelhantes

andarilhos das mais diversas cores e desejos

escarram e erram

pela terra que nunca mais há de ser de alguém.


pobres filhos das perdas, 

pobres filhos do medo e da mentira

consideram melhores do que tudo

quando são piores do que nada.

                                                                  Bruno E. Sanches

 


 

 

Eterna

Senti ser eterna

Minha vida aqui na terra...

Vi passar milênios tranquilos...

Nascer várias e várias gerações...

Enjoei de contar os dias longos

Os meses, os séculos...

Vi os mares, os rios lindos...

As cachoeiras isoladas do mundo...

Senti ser eterna

Minha vida aqui a terra!

Ana Maria Barbosa Machado

 

 

 

 

 


 

 O duplo

Ele é quem ama os pássaros..

Quem sente a irmandade dos pássaros

e a respiração das penas, em sua pele imaginada...

 

Ele é quem se deita à neve das folhas

que a madrugada cingiu de veios gelados, na escuridão

 

                                           enquanto os seus pais ainda dormem  ele é quem saiu de casa

                                               para deitar à relva, e as estrelas cintilam calmas toda a vida

                                                         pulsando, pulsando, adormecendo toda a vida.

 

É ele quem cuida das crianças, cada uma, sozinha,

quando viram a esquina do quintal calçado,

e dá-lhes doces nas mãos feridas d ́espinhos

d ́outro passeio...

 

Quem vela a solidão dos velhos...

E está no riso de todos, como alegria

que desimporta as palavras ditas.

 

É ele quem está, agora, na colina noturna.

 

Não sou eu. Não poderia ser eu

pois o vejo e o sigo, e todo é maravilhoso

eu sei, pois eu o sigo, e o vejo...

 

frescor da água na cozinha enluarada..

 

da areia, na estrada sossegada..

 

das plantas, no jardim regado..

 

E eu, que tenho esperado e procurado

o sentido da vida, e lamentado,

vejo nessa projeção o próprio sentido, animado

ao pé das coisas belas, mais liberto, muito mais liberto

muito mais leve, e realmente mais feliz

e mais auxiliar do meu próprio destino cego.

 

Ele sim, é perfeito, e não é perfeito.

 

E quando começo a levantar com o pó de tantos anos,

derrubado e soterrado nos entulhos da vida desfeita,

vejo a sua face feliz, e somos novamente o jovem danceur.

 

E tudo é como uma colméia de abelhas.

 

Till never stop..

 

To never stop...

 

                                                                                                 Paulo Cabrini Jr

 


 

Algemada Independência

  Justin Timberlake passa momentos de seu dia enfileirando objetos na busca da perfeita simetria. Amanda Seyfried declara pavor de dirigir em pontes e atravessar em túneis. Megan Fox descarta o uso de banheiros públicos e talheres de restaurantes, tamanho pavor a germes. David Beckham rejeita objetos em números ímpares. Leonardo DiCaprio refaz o trajeto veicular, ao perceber qualquer alteração de caminho específico.Alguém, perturbado por pensamentos repetitivos de que pode ter se contaminado ao tocar maçanetas ou outros objetos, passa horas, dos dias, lavando as mãos. Casos típicos do famigerado Transtorno Obsessivo-Compulsivo.

  A doença mental, sem distinção sexual, atinge 3% da população mundial. Subdiagnosticada, trata-se de uma patologia oculta e secreta. Apesar da gravidade, os pacientes, subestimam-na, considerando os sintomas, na maioria das vezes, exagerados e anedóticos. Reconhecem, é claro, da impossibilidade de se contrair AIDS tocando numa maçaneta. Ainda assim, incapacitados estão de abandonarem ritual de limpeza. Tão inútil quanto buscar resolução na consequência, negligenciando conhecimento das causas, é crer na cura imediata das neuroses, subestimando a importância do autoconhecimento, das heranças genéticas e de prováveis influências culturais.

  Limpar é preciso. É preciso limpar. Uma servidão involuntária capaz de ritualizar banhos, sentenciar constante higienização manual, decretar refinamento da nossa imagem. Dessa forma, seria a obsessão pela limpeza uma necessidade constante de reparar nossas sujeiras internas? Se o é, explica inconscientemente a sanha sanitarista de atestá-la como recurso reparador dos erros cometidos. Ao limpar, livramo-nos da bagunça organizada no mundo. Ao limpar, absolvemo-nos dos pecados surdos e mudos. Ao limpar, inocentamo-nos da consciência acusadora.

  Da reflexão lavada com preocupação, reconheço o que me consome. Limpar. Pia pra mim o fogão, o viveiro da calopsita, as roupas das crianças, isso, aquilo lá e aqui. Nessa algemada independência, evidencio minha perfeita imperfeição: limpar. Prisioneiro da própria Bastilha, busco, em vão, momentos de liberdade para arbitrariar os limites da minha obsessão. Pescador de mim, desconheço a profundidade do que me água. Rio abaixo. Rio acima. Rio da minha triste convivência concessiva. Nessas horas, impossível lavar as mãos para meu transtorno, para minha limpeza neurotizadora. Nesses momentos, impensável alienar-se ao alienista.

  O interfone toca, interrompendo minha reflexão. A portaria comunica-me a visita. Minha sogra. Rapidamente meu transtorno me convoca a conferir a limpeza dos cômodos. Limpos e organizados, saio da sala e ganho a cozinha. Para meu desespero, sobras de arroz envoltas em um rúcula murcha repousam em desiguais porções nos dois pratos estacionados na pia. Nova intimação. Enquanto lavo-os, a campainha toca. É ela, meu Deus. Peço-lhe gentil aguardo. Ela reclama da minha demora.

  Admito amigo(a) leitor(a), ser deselegante deixar alguém - ainda mais sogra! - à espera, enquanto limpo algo. Priorizar a organização da casa, a limpeza dos pratos, longe faria eu ser o melhor genro do mundo, o melhor pai do universo. Ainda assim, pelo que limpo, pelo que faço, saio de alma lavada por deixar minha vida em pratos limpos.

                                                                                                                                      Alexandre Benegas

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